29/06/2023
Segundo a sabedoria indígena, tudo o que acontece no céu, acontece na Terra. E vice-versa. Por isso, para construir os calendários eles utilizam como base as estações do ano, por exemplo. Essa é uma visão compartilhada por diferentes etnias, que lutam para manter vivas as tradições ancestrais, de norte a sul do planeta.
Um encontro carregado de conhecimentos empíricos dos povos originários e reflexões acerca de questões ambientais e de sustentabilidade aconteceu no campus Divina Providência da Uninter, no dia 6 de junho de 2023. O casal Bruce e Nuria Moffat realizaram uma visita ao Observatório Solar Indígena construído na unidade, e foram acompanhados do presidente da Fundação Wilson Picler, Jorge Bernardi, e da professora da área de Geociências, Thaisa Nadal.
Bruce é estadunidense e mora em Madison, no estado de Winsconsin. Lá o profissional atua como consultor em administração de organizações da sociedade civil (OSC) e tem experiência profissional nos setores de conservação ambiental, justiça social e serviços sociais, com atuação no Fundo Mundial para a Natureza (WWF-US) e The Nature Conservancy (TNC).
Em Wisconsin, Bruce gerencia uma fazenda familiar com o irmão, local que conta com a presença da família já há cinco gerações e forma parte das terras ancestrais da tribo indígena Ho-Chunk. A missão é preservar e interpretar a história natural, indígena e colonial “em sítio” para as futuras gerações.
Aqui no Brasil, a professora Thaisa começou a atuar em escola indígena de uma reserva aos 13 anos de idade na aldeia Marreca dos Índios (PR), perto da cidade de Guarapuava (PR), onde nasceu. Mestre em Gestão de Qualidade Ambiental, a profissional já trabalha há 30 anos com a leitura do meio ambiente indígena dos povos Guarani.
A relação com os tempos e os espaços podem ser muito diferentes de uma cultura para a outra. Para alguns povos indígenas, a Terra nada mais é que um reflexo do céu, e tudo o que acontece aqui também se encontra lá. É nisso que acreditam os indígenas e, por isso, constroem seus calendários solares locais, que determinam o meio-dia solar, as estações do ano e pontos cardeais, através da observação do nascer, culminação e pôr do sol.
Por meio dos calendários, os indígenas marcam horários de trabalho agrícola, floração, frutificação, reproduções, festivais, aparições de doenças e procedimentos de proteção realizados pelos xamãs. A astronomia indígena tem por principal função auxiliar na sobrevivência da sociedade.
Com o objetivo de contribuir com a Lei 11.645/2008, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura indígenas nas disciplinas de educação básica, o Observatório Solar Indígena foi construído pelo professor Germano Bruno Afonso (in memoriam), como um equipamento didático, utilizado principalmente para cursos de formação de professores em História e Cultura Indígena e Ciências.
O projeto, que é um dos programas permanentes mantidos pela Fundação Wilson Picler, conseguiu inclusive uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (SMEC) para formação dos docentes municipais e “constituiu-se um itinerário formativo emancipador no marco da cidade que educa, contribuindo para fomentar a educação de crianças, jovens e adultos para e pela cidadania ativa, ocorrendo diversas visitas de estudantes e do público em geral”.
Durante a visita, Bernardi e Thaisa convidaram Bruce e Nuria para uma visita à Aldeia Araçaí, em Piraquara (PR), que é composta por 22 famílias. Na comunidade indígena, eles foram recebidos pelo Pajé Karai Tataendy Marandaju, realizaram uma roda de conversa e participaram de uma cerimônia na Opy (casa de reza), relacionando os conhecimentos dos indígenas da América do Norte aos indígenas da América do Sul.
Thaisa e Bruce ainda tiveram a oportunidade de debater sobre a temática Povos indígenas: uma comparação Norte-Sul, em dois programas de rádio. Os profissionais foram os convidados do Art& Cultura, da Rádio Uninter, no dia 20 de junho, e também do Justiça e Conservação, do Observatório de Justiça e Conservação, transmitido em 22 de junho.
Nos Estados Unidos, existem 11 tribos reconhecidas pelo governo federal. As estatísticas sobre a comunidade Ho-Chunck divergem, pois apresentam entre cinco e dez mil indígenas. Durante um combate entre o exército estadunidense e os indígenas, foram firmados tratados em que eles deveriam ceder as terras ancestrais em Wisconsin para o governo, em troca de outros direitos, como caçar e pescar.
Nessa época, foi ofertada uma reserva no estado de Nebrasca, rejeitada pelos indígenas, já que não se sentiam pertencentes àquelas terras e migravam de volta para Wisconsin. No final da década de 1980, a legislação dos Estados Unidos permitiu a operação de cassinos para produção de renda para a sobrevivência dos indígenas. Atualmente, são três cassinos ativos com essa finalidade. No entanto, Bruce diz que os Ho-Chunk “têm indicadores socioeconômicos mais baixos que o resto da população”.
O consultor afirma que a tribo conta com uma parte de indígenas bastante modernizados, que moram na cidade e têm educação formal. Mas ainda existem outros que preferem se manter em áreas tradicionais, e que conservam os costumes e tradições mais típicas.
Thaisa aponta que os Guarani, em geral, têm “uma força muito grande” para manter a cultura, que se dá principalmente pela língua. As crianças aprendem primeiro o guarani e só depois têm contato com o português. Ainda assim, as condições socioeconômicas são precárias. No Brasil, os indígenas contam com apoio do governo federal, por meio do bolsa família, e fazem algumas ações, como as cerimônias guarani e o comércio de artesanato.
“Nós temos uma questão não só com os povos indígenas, mas também com as outras minorias, bastante ruim no nosso país. Não temos um trabalho que realmente faça com que eles tenham essa condição [como os Ho-Chunk, que têm renda pelo cassino]”, salienta.
Ao contrário dos Guarani, entre os desafios dos Ho-Chunk, está o de manter a língua, comenta Bruce. Segundo o profissional, eles assimilam até certo ponto e depois deixam cair no esquecimento.
“Muitas tribos hoje lutam para passar [a língua] para as próximas gerações. A educação é também uma luta política por reivindicar direitos de estudar em números proporcionais nas universidades. Algumas tribos têm suas próprias instituições educativas nas reservas, que ensinam coisas de interesse e de valor. A universidade tem tomado cada vez mais seriedade em fomentar essa situação”, explica o consultor.
Em Curitiba (PR), Thaisa destaca o “trabalho fantástico” realizado pela prefeitura nas Olimpíadas de Astronomia, que apresentam questões da cultura indígena para os conteúdos, já que hoje alguns são tratados na escola formal de ensino fundamental I.
“Quando você conhece uma cultura, você aprende a respeitá-la”, garante Thaisa.
O que não muda, independente da localização dos povos indígenas no planeta, é a relação com a natureza, no sentido de estar nela e não de explorar. Bruce e Thaisa salientam que os não-indígenas falam de sustentabilidade em termos quantitativos e científicos, mas não possuem uma relação de reciprocidade, no sentido de cuidar dos recursos.
Edição: Larissa Drabeski