24/08/2023
Arthur Salles – Assistente de Comunicação Acadêmica
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam.” (José Saramago)
Durante 56 anos, Thaisa Maria Fillus Nadal Afonso perseguiu na Terra o caminho que as estrelas apontavam. Estudava os astros para entender o que acontecia aqui e vice-versa. Dedicou a vida à biologia e à educação indígena, ora como mestra, ora como aprendiz. Cultivou ensinamentos, carinho, descobertas e muitas amizades em sua marcante passagem. Fez dos céus, enfim, sua morada na manhã desta terça-feira, 22 de agosto de 2023.
A jornada de Thaisa iniciou em Guarapuava, no centro-sul do Paraná, em 21 de outubro de 1966. A região foi berço dos Guarani e dos Kaingang por milhares de anos antes da chegada dos europeus ao Novo Mundo. Algumas reservas indígenas restaram na região, principalmente a de Marrecas, dividida ainda pelas cidades de Turvo e Prudentópolis. Lá, aos 13 anos, Thaisa começou a trajetória ambientalista que a acompanharia por toda a vida.
A professora e pesquisadora chegou à Uninter em 2015. Tinha orgulho de ter contribuído na concepção dos cursos de licenciatura e bacharelado em Ciências Biológicas da instituição. Mais que isso: tinha orgulho de ter um “crachá Uninter”, relembra a diretora da Escola Superior de Educação, Dinamara Machado.
De voz meiga e tranquila, escondia uma força inabalável por trás do timbre suave. Elevava o tom na defesa dos povos originários, da educação e da democracia. Tamanha ternura era reconhecida por colegas e alunos. “A professora Thaisa Nadal cumpriu com a sua missão atuando como professora na Uninter, se destacando pela sensibilidade no tratamento dos temas relacionados com a educação”, afirma o reitor do centro universitário, Benhur Gaio.
O amor e a ciência
Thaisa ainda era professora da rede estadual em Guarapuava quando conheceu o amor que compartilhou com a ciência durante toda a vida. O professor Germano Afonso chegou à casa da família Nadal acompanhado pelo colega Carlos, cientista e irmão de Thaisa. Uma viagem a Pato Branco para a descoberta de um meteorito parou em Guarapuava para o descobrimento da união que durou até 2021, com o falecimento de Germano em decorrência da Covid-19.
Ao lado do companheiro, ela atravessou o Brasil de Sul a Norte na investigação do meio ambiente a partir de visões indigenistas. “Tudo que está no céu está aqui na Terra também” era o mantra defendido pelo casal com o aprendizado obtido dos indígenas, que viam a astronomia milenar como um auxílio na sobrevivência da humanidade.
Do Paraná à França, na Amazônia e de volta ao Sul, Thaisa aprofundou-se nos estudos de suas paixões. Pesquisava a vida na Terra sob influência da astronomia. A relação dos indígenas com a agricultura, caça, pesca e o clima a tornaram referência na educação de arqueoastronomia no Brasil. “Quando a gente tem a leitura de estar na natureza, ser a natureza, vamos cuidar dela”, afirmava com entusiasmo a causa defendida em vida.
O Observatório Solar Indígena instalado no campus Divina Providência da Uninter era coordenado pela professora. Idealizado por Germano, o projeto era uma das grandes inspirações do trabalho de Thaisa. O equipamento ensina professores a enxergar como os povos indígenas determinam o meio-dia solar, os pontos cardeais e as estações do ano por meio da altura do sol.
“A professora Thaisa era apaixonada pela biologia e fazia tudo com muito carinho, profissionalismo e paixão. A área de Geociências sente muito a sua partida porque fará falta como pessoa, amiga e profissional comprometida que sempre foi”, diz a coordenadora da área na Uninter, Renata Garbossa.
“A professora Thaisa era uma ambientalista desde os tempos em que este termo não estava na moda. Dedicou-se, junto com seu esposo, professor Germano Afonso, à defesa e proteção dos povos indígenas. Há poucos meses, atendeu a um casal de americanos, também dedicados à causa indígena, que esteve em Curitiba. Além de mostrar e explicar o nosso observatório solar indígena, levou-os para conhecer a tribo Guarani de Piraquara”, pontua o vice-reitor, Jorge Bernardi.
Juntos, Thaisa e Germano deram à luz Thayara. O nome, presenteado por um dos pajés que os acolhera durante as expedições, significa “Filha do Céu” em guarani.
Uma vida em versos
Fã de Chico Buarque e entusiasta da poesia, Thaisa registrava o que via e o que sentia em versos e rimas. Fosse do horizonte avistado pela janela do quarto ou do brilho que a iluminava na alma, fazia do mundo um contínuo arranjo de palavras e emoções. Vertia a saudade em declarações de amor nas redes sociais e nas páginas de um livro publicado.
“Chama-se Entre flores e estrelas, que conta uma caminhada do meu amor, que veio lá dos meus pais, o carinho que recebi deles, a vida dos meus irmãos que foi breve aqui na Terra, mas que também estiveram junto. Se hoje eu consigo ser essa fortaleza que vocês estão vendo, é porque cada um de vocês me mandou força, energia”, declarou ela a respeito do título da editora Dialética e Realidade.
No poema Versos escritos na alma, ela diz:
Todo meu ser é sentimento
unido a sua essência
compartilhamos um eterno mundo
alimentado pela fonte do completo amor.
Mesmo padecendo de um câncer de pulmão, ela não deixava de enxergar luz e poesia onde a maioria encontraria escuridão. “Thaisa era isso: um facho de luz, fazendo luz em todos os lugares”, comenta Dinamara.
Thaisa não acreditava em ponto final para o amor e, portanto, para a vida. “Vou embora encontrar minha mãe, meus irmãos e o Germano”, suspirou em um dos últimos momentos de sua passagem pela Terra. Tal qual a canção A viagem, de Nelson Gonçalves, que tanto admirava, Thaisa foi de malas prontas e sem tristeza ao encontro da poesia.
Vamos visitar a estrela, da manhã raiada
Que pensei perdida pela madrugada
Mas vai escondida
Querendo brincar.
Thaisa deixa a filha Thayara, os cães Nescau, Lughinho e Chanthy Lee, amigos e incontáveis vidas transformadas pela educação.
Autor: Arthur Salles – Assistente de Comunicação Acadêmica
Editor: Mauri König
Créditos do fotógrafo: Acervo Pessoal