21/06/2022
Nayara Rosolen – Jornalista
Um único projeto da Fundação Wilson Picler contempla três dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de metas estabelecidas pela Assembleia das Nações Unidas para tornar o mundo melhor. Para isso, o projeto usa a inteligência artificial como forma de gerar renda e energia, além de preservar o meio ambiente.
Os ODS “Fome zero e agricultura sustentável”, “Energia limpa e acessível” e “Ação contra a mudança global do clima” estão contidos no projeto “Estabilização de matéria orgânica e biodigestão controlada por inteligência artificial para produção de fertilizante, de energia e recuperação ambiental”, um programa permanente da Fundação.
Parceria da Rede Cooperativa de Pesquisa de Estabilização de Matéria Orgânica e Produção de Biogás (RECOPE-EMOB) com laboratórios da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o Grupo de Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade (GITS) da Uninter, o trabalho é coordenado pelo professor Edmilson Cesar Paglia, da UFPR, e os professores Marcos Baroncini Proença e Thaisa Nadal, ambos da Uninter.
“Esse projeto trata da produção de biogás através de um biodigestor controlado por inteligência artificial, mas ele é bem mais abrangente”, explica Proença. A rede foi constituída devido a necessidade de uma equipe multidisciplinar para tratar do resíduo, deixar estabilizado, com nutrientes importantes para o solo, principalmente o nitrogênio, que faz as plantas crescerem.
O professor afirma que, para gerar um produto realmente orgânico, tudo tem de ser controlado desde a matéria usada, com um fertilizante de boa qualidade. A partir disso, com o nitrogênio que vem da estabilização, ao alinhar com a biodigestão que gera o biogás, esse gás pode gerar eletricidade ou ser usado para gás de cozinha para residências.
É um conjunto de fatores que atendem a Agenda 2030, por meio da segurança alimentar, pontuada na ODS 2 (Fome zero e agricultura sustentável), a energia acessível, apresentada na ODS 7 (Energia limpa e acessível) e ainda o trabalho contra o aquecimento global, na ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima).
A professa Thaisa Nadal trabalha mais diretamente no campo deste último objetivo, realizando a restauração ambiental para um ambiente com boas vegetações. Ao contrário do “reflorestamento”, que planta qualquer coisa no lugar do que foi retirado, o florestamento trata de fazer um levantamento para verificar qual é a mata nativa do local.
Além disso, o projeto responde às necessidades de programas de nível estadual e nacional. Como o Programa Nacional de Bioinsumos, por meio do Decreto Federal nº 10.375, de 26 de maio de 2020, e o Programa Paraná Mais Orgânico, pela Lei Estadual nº 16.751, de 29 de dezembro de 2010.
Inteligência Artificial
Quando se fala em biodigestor, o professor Marcos Proença explica que não basta colocar o resíduo dentro e esperar que tudo aconteça. Existem microrganismos, bactérias que fazem o processo, e algumas são específicas para gerar o metano, gás de queima. Muitos são delicados e possuem condições limitadas, como um jeito próprio de pegar e uma faixa específica de temperatura.
Um pequeno produtor da agricultura familiar, por exemplo, não dispõe de tempo para todo esse controle. Por isso, muitos projetos colocados em várias regiões do Brasil foram interrompidos.
No entanto, no projeto desenvolvido pela RECOPE-EMOB a inteligência artificial existe justamente para facilitar esse trabalho, fazendo todo o controle, de forma que a única atividade a ser executada é colocar o resíduo dentro do biodigestor.
Outro benefício do modelo é que a destinação não produz mau cheiro com a decomposição da matéria orgânica, como acontece em outros biodigestores. Isso ocorre devido ao processo de estabilização da matéria.
De acordo com Proença, quando se utiliza um fertilizante industrial há uma carga de nitrogênio muito grande, que dá uma “bombada” na planta, como se colocasse um suplemento. O resto que fica no solo é transformado em gás óxido de nitrogênio, que, inclusive, tem três vezes mais potencial de afetar a camada de ozônio e contribuir para o efeito estufa do que o metano. E, mais do que isso, acaba empobrecendo o solo de micronutrientes.
No caso do biodigestor com inteligência artificial, “a matéria orgânica estabilizada retém e não faz a transformação do nitrogênio, assim pode ser liberado suavemente para o solo de uma forma mais natural”, salienta Proença.
Trabalho multidisciplinar
Além da utilidade do biodigestor para pequenos agricultores, existem muitas prefeituras interessadas que percebem a necessidade de tratar os resíduos urbanos, junto aos rurais. Para isso, é preciso uma programação logística de coleta, distribuição de fertilizante, cuidados com o solo, estabilização da matéria orgânica, parâmetros de controle dos microrganismos e o tipo de lixo descartado, dentre outros.
Para toda essa adaptação, são envolvidas diversas áreas, como de logística, de solo, engenharia química, biotecnologia, engenharia da computação, engenharia elétrica, biologia, por exemplo. Por isso a importância de uma equipe multidisciplinar no desenvolvimento do biodigestor.
“A nossa intenção no projeto é realmente fazer essa leitura mais globalizada da saúde ambiental, salienta Thaisa. “Pode atender desde o produtor familiar até cooperativas”, complementa Proença.
Atendendo à lei estadual do Paraná, que prevê a alimentação 100% orgânica nas escolas de ensino fundamental e médio até 2030, também é possível enriquecer a merenda das crianças e adolescentes da rede pública de ensino. “Hoje, os produtores orgânicos não conseguem atender a essa demanda pela capacidade de produção do solo”, explica o professor.
O programa possibilita também atender às necessidades de energia, outra vantagem diante dos riscos de apagões. Ter pequenas unidade das próprias cooperativas gerando energia, retirando resíduo que iria para aterros e geraria efeito estufa, permite transformar isso em fonte de energia e gás de cozinha, que também passa por aumento do valor agregado.
“Uma coisa importante de a gente salientar é que também estamos trabalhando com esse projeto a recuperação da vontade das pessoas de continuarem no campo, porque vão ter uma condição melhor de trabalho”, garante Thaisa.
Atualmente, mais de 400 famílias da Associação Paranaense de Agroecologia (AOPA) e 100 famílias do município de Tijucas do Sul (PR) já têm a carta de intenção para colocar o projeto em prática. Proença diz ainda que o projeto pode ser estendido para todo o país, pois “é uma tecnologia que transfere”, e inclusive está previsto o treinamento de equipes de cooperativas para disseminar a ideia.
Investidores podem apoiar o projeto e “deixar um mundo melhor, para lá na frente fazer a diferença na vida das pessoas”, conclui Thaisa. Conheça mais sobre o projeto clicando aqui e entre em contato para maiores informações por meio deste link.
Os professores apresentaram esses e outros tópicos sobre o trabalho realizado no programa Inovação e Sustentabilidade da TV Profissão, apresentado por Kelley Ambrósio. Confira o bate-papo na íntegra neste link.
Edição: Mauri König
Créditos do fotógrafo: Arquivo Pessoal/TV Profissão