12/05/2022
Autora: Nayara Rosolen – Jornalista
Tapi’i rapé, a via láctea dos indígenas Guarani, brilhou com uma nova estrela no último 23 de abril. Neste dia, fecharam-se dez luas desde a partida do professor Germano Bruno Afonso, doutor em Astronomia e Mecânica Celeste, que foi um dos criadores e primeiro presidente da Fundação Wilson Picler.
Para a passagem do professor Germano e acalanto dos amigos e familiares que ficaram, foi realizada a cerimônia da décima lua. A “estrela que o universo vestiu de homem”, como é chamado por sua esposa, Thaisa Nadal, pôde seguir o caminho dos astros. A solenidade, que compõe o calendário guarani, foi realizada na Aldeia Guarani de Amâncio (SC), presidida pelo pajé Wharé Tupã, grande amigo de Germano e sua família.
“O Germano me proporcionou um amor fora da Terra. Tudo o que vem para ele ou dele, através de um carinho, um sorriso, é sempre um linimento para o meu coração. É uma força enorme que me faz continuar. Essa homenagem Guarani em especial foi de uma forma muito importante, porque eu preciso dessa força e nós sempre encontramos lá. É uma força de um amor leve, puro, de amigo, que com certeza todo mundo tem. Eles têm essa doçura do olhar, no falar. Foi uma cerimônia muito, muito bonita”, relembra a professora Thaisa Nadal, com quem Germano compartilhava a vida desde os anos 1990.
Foi na “casa de reza”, uma oca especial para orações, que aconteceu o ritual com músicas e bênçãos durante a noite e toda a madrugada, das 21h até quase 5h. Já nas horas finais, o momento mais bonito pôde ser apreciado por quem estava presente.
“A lua veio e disse ‘eu estou aqui ajudando vocês’. Cada vez que falo isso me arrepio toda, porque foi maravilhoso. Para fechar, tivemos uma chuva de meteoros, aparecendo no céu por volta das 4 horas da manhã. Foi tipo… ele chegou lá, né? Chegou e jogou um monte de estrelinha para a gente ver que estava lá”, conta Thaisa.
Além da esposa e das famílias indígenas que vivem em comunidade na aldeia, também esteve presente o filho do primeiro casamento do físico e astrônomo, Yuri. Assim como a neta do pajé Wharé Purã, Takuadju miri, amiga de Thaisa.
“Foi uma coisa de muita luz, muita energia e fez um bem muito grande para o meu espírito, porque eu acho que ainda será muito difícil caminhar sem ele pertinho de mim. A luz que ele trazia continua iluminando, fazendo a gente caminhar, está me dando força para isso, que é o mais importante. E felicidade, sabe? Porque a única coisa que eu fiz foi amar ele. Eu não fiz outra coisa a não ser isso, então tenho a minha alma calma”, conclui Thaisa.
O percurso até o céu indígena
Com a mãe de ascendência Guarani, Germano começou a observar as constelações com os pais, desde pequeno. Dedicou as últimas três décadas de vida para estudar o céu das aldeias e, em contrapartida, compartilhava o conhecimento adquirido com os indígenas.
Germano teve a primeira formação superior em Física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1973, e quatro anos depois finalizou o mestrado em Astronomia Geodésicas na mesma instituição.
Foi para a França em 1980, onde concluiu o doutorado em Astronomia de Posição e Mecânica Celeste pela Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris. Já em 1984, se tornou o primeiro coordenador do Programa de Pós-graduação em Física da UFPR, instituição em que atuou até 2003.
Ainda no início dos anos 1990, foi a Pato Branco (PR) buscar um meteorito que caiu na região, junto com o colega Carlos Aurélio Nadal, professor titular da UFPR e que se tornaria seu cunhado depois de conhecer Thaisa, na volta da mesma viagem.
Logo em seguida, foi encontrado um monolito, pedra que hoje ainda pode ser vista no Observatório Solar Indígena construído no campus Divina Providência da Uninter, no centro de Curitiba (PR).
Além de professor do mestrado em Educação e Novas Tecnologias do centro universitário, Germano é um dos criadores e o primeiro presidente da Fundação Wilson Picler. O docente era pesquisador nível A+ na Capes e foi professor do chanceler do Grupo Uninter, Wilson Picler, na UFPR.
Germano começou a levar a pedra do monolito para as aldeias indígenas e a estudar o céu e as constelações que orientam as práticas das comunidades.
Thaisa, que é bióloga e mestre em Gestão de Qualidade Ambiental, realizava o trabalho conjunto, com estudos sobre a Terra. A professora conta que o trabalho de Germano começou com os Guarani e passou por todo o Brasil, de norte a sul, em quase todas as etnias indígenas.
“Concomitante a isso, ele fez vários cursos para devolver para esses indígenas o conhecimento que ia adquirindo nas constelações e assim por diante. E eu no meio ambiente, então a gente ia trabalhando sempre juntos e com uma alegria muito gostosa, fazendo muitos amigos”, recorda Thaisa.
Assim também se deu a proximidade com o Pajé Wharé Tupã, que, com mais de 100 anos, é um grande conhecedor da astronomia Guarani e do meio ambiente, e pôde compartilhar muitos de seus conhecimentos. Das amizades conquistadas durante as andanças pelas aldeias, Germano e Thaisa receberam também 19 afilhados.
Os reconhecimentos pelo caminho
Entre as grandes e diversas conquistas do professor Germano em vida está o Prêmio Ciência e Tecnologia do Paraná, em 1991, e o prêmio Jabuti de melhor livro didático, com a obra “O céu dos índios Tembé”, em 2000. Além do reconhecimento da Assembleia Legislativa do Paraná pela contribuição com a educação no estado.
Germano foi codiretor do documentário “Cuaracy Ra’Angaba – O céu Tupi-Guarani”, dirigido por Lara Velho e lançado em 2013. Pioneiro na pesquisa da etnoastronomia brasileira, o físico e astrônomo mostra no filme a trajetória no resgate do conhecimento da astronomia Guarani.
Ainda em 2006, o professor foi homenageado na música “O céu dos índios”, do músico Hélio Ziskind, para o programa Cocoricó, da TV Cultura. Para Thaisa, esta foi a homenagem mais linda e pura que Germano já recebeu. Agora, a canção é base para um novo documentário em sua homenagem, “A sombra do sol”.
Quando faleceu, Germano já trabalhava havia dois anos na obra em que percorreria as aldeias indígenas novamente. A produção, comandada por Hugo Haddad, foi contemplada em edital da Agência Nacional do Cinema (Ancine). As imagens já gravadas continuarão sendo utilizadas, no entanto com outro foco central, que deixa de ser as populações guaranis e passa a ser o caminho do professor.
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Como diz a letra de Ziskind: “Professor Afonso, que história mais bonita que o senhor descobriu!”.
Edição: Mauri König
Créditos das fotografias: Arquivo pessoal